[TEU NOME COMPOSTO É A NOSSA COMPOSIÇÃO]

Fellipe Tavares
3 min readApr 16

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Essa névoa não apaga nossos rastros, essa fotografia não reflete as palavras ditas pela sombra das tuas memórias. Lágrimas imprevisíveis surgiram antes que eu soubesse, antes que essa cidade fosse minha. Fosse nossa, fosse tua, fosse nós, fosse nada, fosse o peito, fosse a fossa, fosse a vitória, fosse a mais crua e definitiva derrota. Um oceano te cobriu e te revelou pra mim. Eu desconhecia esse mar, e de mar você sabe que entendo bem, eu vim do Itararé. Eu te desconheço e me conheço ao mesmo tempo, como se a batucada da rua anunciasse o que sempre esteve ali, e pra me proteger, eu escolhi a contramão, atrás da cabeça. Agora eu te vi e as aparências não podem mudar o náufrago do que ficou estabelecido, não tente mais. Para de tentar disfarçar, você perdeu esse talento. Cancelei meus planos, fingi dores e te vi. Eu sei o que vi. Precisei cancelar os últimos planos, rezei sem lembrar como funciona esse rosário, implorei de joelhos pra que você sumisse, mas o meu desejo não foi atendido. Nenhum orixá me ouviu. Ou será que me ouviram? Eu só não percebi o que me entregaram. Não quero aceitar. Vivo em negação, sempre fui assim, mas consegui ficar pior. Eu sou bom em piorar tudo. Me nego. Esse trilho tem as digitais do dia que fugimos e interrompemos a lógica, até percebemos que não existe lógica no que somos, no que fomos, no que ainda poderíamos ou podemos ser. Choveu, não era cenográfico, choveu mesmo. Olha pra mim, lembra daquela música do Vanguart, pega seu celular e me fotografa, registra meu jeito de te olhar, eu quero me conhecer, eu quero saber de mim, quero me ver te olhando, quero entender o que é isso aqui que sinto, quero uma imagem concreta do que não consigo compreender. Isso me desespera. Quero fugir das formulações óbvias, desde o último beijo eu quis elaborar minha poesia, quero que meu lirismo alcance exatamente aquele ponto catártico do momento em que tua boca colidiu e esbarrou na minha. A sentença é cruel: eu te amo em todas as estruturas poéticas que existem. Eu te amo em todos os ritmos toscos e eruditos que existem. Eu te amo no tempo que foi roubado de mim, no tempo que consegui te amar e no tempo que deixei tudo pra lá. Eu te amo nessa calça jeans com a barra da cueca aparecendo, a regata preta e o boné pra frente. Eu te amo na falta de tradução, na incompetência de saber o que sinto e no que posso fazer com isso. Me diz o que fazer, me diz o que não consigo dizer, preciso ouvir em voz alta. Eu sempre achei que você só me tolerava pra que eu pudesse ouvir seus discursos sobre amor, mas a avalanche que saltou de você e me embriagou rompeu minhas crenças e derramou o véu da mágoa que prevalecia entre os nossos corpos. Eu descobri que não sabia seu nome completo, desconhecia seu nome composto, que grande farsa essa nossa. Registra no vácuo da tua solidão que teu sagrado nome abençoa um segredo que você nunca escondeu de mim. Estava ali, no RG, na lista da chamada, nos documentos, nos cartões de créditos, no passaporte e na minha frente. Tudo estava na minha frente. Tudo. Nunca foi segredo. Fiquei aqui te assistindo desfilar e esfregar na minha cara o que era óbvio. Sou fã de obviedades, mesmo que tente fugir disso. É engraçado que essa constatação seja revelada logo depois daquele quarto, o quarto que cavou o abismo que caímos e descobrimos o tamanho da profundidade do que existe entre nós. Agora sei teu segundo nome, agora sei do amor que você sente. Teu batismo consagra e constata o que nos impediu: perguntar. Era só ter perguntado. As palavras poderiam contrariar, mas as fotografias revelam e estão lá pra provar a razão de ainda estarmos aqui falando disso. E agora eu te pergunto: o que mais eu não sei? o que eu ainda preciso saber?

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