[ONDE FICA O SAMBA QUE VOCÊ COLA?]

Fellipe Tavares
2 min readApr 24

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Essa jaqueta corta vento veste bem o seu constrangimento, te deixa mais bonito. Eu fiquei ali te olhando segurar o corpo e rir da cerveja que caiu em você, quase esqueci o embate invisível que está estabelecido entre nós. Esse gorro cobre os fios do teu cabelo, como se quisesse esconder de mim o último lugar que repousei em você, mas eu te conheço bem, as mãos no bolso e o sorriso fechado escancaram o que você luta internamente pra deixar pra lá. Você não consegue me deixar pra lá e já prometi que só te deixaria pra lá se você me deixasse antes, mas ninguém se move. Ninguém se deixa pra lá. E isso deixa um rastro na crua metrópole. Esse bar não me faz promessas, mas você fez, e só cumpriu as que não me interessava, isso é justo? Vai com Deus, você disse. Vai com Deus, eu fiquei repetindo enquanto subia a ladeira que me levaria de volta pra casa. Quase chorei pra completar a cena, me senti deslocado dos meus propósitos. Não veio Deus, não veio você, não sobrou nada de nós. No meio das tuas retóricas não tem espaço pra quem eu sou. E eu sou muito, sinto muito que você não alcance isso. Me diz, você forjou as últimas afirmações? Você disse que não me deixaria nesse ponto de ônibus sozinho, que pegaria o mesmo caminho que eu porque o que temos é maior que muita coisa. Você não devia ter me deixado voltar sozinho. Você traiu uma promessa que não precisava ser promessa pra ser cumprida, você traiu a natureza. E o pior de tudo é que eu te confessei meus últimos receios, lotei sua galeria com fotografias despreocupadas num dia meio estranho e meio feliz. Tira as mãos desse bolso e aponta o dedo na minha cara, diz que não se importa. Você é capaz? Eu prefiro que seja assim, é melhor do que voltar sozinho me equilibrando na corda bamba do mundo. No dia seguinte você pergunta: onde fica o samba que você cola? Você não se importou em saber pra onde fui quando me deixou lá, agora quer saber por onde andei?

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